A evidente feiura da indústria da beleza
Na mitologia, encontramos muitas histórias e personagens que ilustram sobre os perigos da obsessão pela beleza exterior.
Um exemplo clássico é a história de Narciso, da mitologia grega. Narciso era conhecido por sua extraordinária beleza, mas sua arrogância e vaidade levaram-no a rejeitar todos os pretendentes, incluindo a ninfa Eco. Em uma reviravolta trágica, Narciso apaixonou-se por sua própria imagem refletida na água e, incapaz de alcançá-la, acabou se afogando. Essa história destaca como a obsessão pela própria aparência pode levar à ruína e à autodestruição.
Outro exemplo é o mito de Pandora, também da mitologia grega. Pandora foi criada pelos deuses como a primeira mulher, dotada de uma beleza extraordinária. No entanto, sua curiosidade levou-a a abrir uma caixa que continha todos os males do mundo, liberando assim o sofrimento e a dor para a humanidade.
Na mitologia nórdica, há o mito de Iduna, a deusa da juventude e da beleza. Ela é responsável por guardar as maçãs douradas que concedem imortalidade aos deuses. Quando as maçãs são roubadas, os deuses começam a envelhecer rapidamente, mostrando como a busca pela beleza e juventude eternas pode ser uma fonte de desespero e destruição quando levada ao extremo.
Essas histórias sugerem que a busca excessiva pela beleza e pela perfeição pode levar a consequências desastrosas e causar danos não apenas a si, mas também aos outros ao seu redor.
Hoje, na busca pela perfeição estética, muitos indivíduos acabam entrando em um ciclo prejudicial de intervenções estéticas exageradas, que podem ter sérias consequências para a saúde física e mental. Esses exageros não surgem do nada; são alimentados por uma série de fatores sociais, culturais, econômicos e psicológicos que moldam nossas percepções de beleza e influenciam nossas decisões sobre procedimentos estéticos.
Pressão Social e Cultural
A mídia, em todas as suas formas, desde revistas glamorosas até as redes sociais, desempenha um papel poderoso na criação e promoção de padrões de beleza praticamente inatingíveis. Fotos retocadas, corpos perfeitamente esculpidos e rostos impecáveis são exibidos como norma, levando muitos a se sentirem inadequados em comparação.
Essa pressão para se enquadrar em um ideal de beleza irreal pode motivar as pessoas a buscar procedimentos estéticos para se aproximarem desse padrão, mesmo que isso signifique comprometer sua saúde e bem-estar.
As celebridades e influenciadores digitais exercem uma grande influência sobre seus seguidores. Quando compartilham abertamente suas próprias experiências com cirurgias plásticas, preenchimentos labiais ou outros procedimentos estéticos, isso pode levar muitos admiradores a seguir o exemplo, sem considerar completamente as implicações físicas e emocionais envolvidas.
Mercantilização da Beleza
A indústria da beleza é um negócio lucrativo, e algumas clínicas e profissionais de estética recorrem a estratégias de marketing agressivas para atrair clientes. Eles não apenas promovem seus serviços, mas também podem exagerar os benefícios dos procedimentos estéticos ou minimizar os riscos e efeitos colaterais associados a eles. Essa abordagem pode criar expectativas irreais e levar as pessoas a optarem por procedimentos sem considerar totalmente os possíveis resultados adversos.
A crescente acessibilidade financeira dos procedimentos estéticos significa que mais pessoas podem pagar por esses serviços. Isso, por sua vez, aumenta a demanda por procedimentos e pode levar a uma cultura de excessos, onde indivíduos recorrem a intervenções estéticas com mais frequência do que realmente necessitam, simplesmente porque agora têm os meios para fazê-lo.
O constante avanço da tecnologia na indústria de procedimentos estéticos pode ser tanto uma bênção quanto uma maldição. Por um lado, novas técnicas e equipamentos podem oferecer resultados mais eficazes e menos invasivos. Por outro lado, essa rápida evolução pode criar uma cultura de busca incessante pela última novidade em estética, onde as pessoas se sentem compelidas a experimentar cada novo tratamento que surge no mercado, muitas vezes sem avaliar completamente os riscos envolvidos.
Psicologia do Indivíduo
A psicologia individual desempenha um papel significativo nos exageros na indústria de procedimentos estéticos. Pessoas que sofrem de insatisfação corporal ou dismorfia corporal, por exemplo, podem estar constantemente em busca de correções para percebidas imperfeições, mesmo que essas correções sejam apenas temporárias ou imaginárias. Esse ciclo de insatisfação pode levar a múltiplas intervenções estéticas, sem nunca alcançar o nível desejado de satisfação pessoal.
À medida que os procedimentos estéticos se tornam mais comuns e socialmente aceitáveis, há uma tendência à normalização dessas intervenções.
Isso pode levar algumas pessoas a subestimarem os riscos envolvidos ou a verem os procedimentos estéticos como soluções rápidas para questões de autoestima ou identidade, sem considerar alternativas menos invasivas ou mais saudáveis.
Entre Abordagens Superficiais e Lucros Comerciais
No mercado de procedimentos estéticos, as estratégias de marketing frequentemente adotam uma abordagem dupla que, à primeira vista, parece abordar as preocupações sociais sobre a pressão estética e os exageros, mas, na prática, continua a promover o consumo desses serviços.
Hoje, é proibido fazer promessas de resultados, usar sensacionalismo ou expor pacientes de forma genérica. Também é proibido divulgar consultórios ou clínicas, oferecer tratamentos não comprovados cientificamente, anunciar em mídias de massa ou participar de concursos para eleger o melhor médico.
No entanto, alguns anúncios e campanhas de marketing tentam redefinir os procedimentos estéticos como atos de autoaceitação e empoderamento. Eles sugerem que pequenas intervenções podem auxiliar os pacientes a se sentirem mais confiantes, promovendo a ideia de que esses procedimentos são uma forma de cuidado pessoal, em vez de uma busca por padrões externos de beleza.
O marketing muitas vezes destaca a personalização dos procedimentos, enfatizando serem adaptados às necessidades únicas de cada pessoa. Isso pode criar a impressão de que os procedimentos estéticos são uma forma de expressão pessoal e de cuidado com o corpo e a mente, indo além da mera estética.
Algumas marcas respondem às críticas sobre os padrões de beleza inatingíveis e os possíveis danos à saúde, promovendo práticas sustentáveis e éticas. Elas destacam o uso de produtos não testados em animais ou técnicas menos invasivas, na tentativa de alinhar-se com os valores contemporâneos e minimizar a percepção negativa sobre a indústria.
Resposta às Preocupações com a Saúde Mental
Estratégias de marketing podem incluir mensagens de apoio à saúde mental, reconhecendo a pressão para atender aos padrões de beleza e promovendo os procedimentos como uma forma de autocuidado, em vez de uma imposição social.
Por trás dessas estratégias, no entanto, há uma realidade mais complexa. Embora pareçam atender às preocupações contemporâneas sobre padrões de beleza, autoaceitação e saúde mental, elas também podem perpetuar a demanda por procedimentos estéticos. Criando um ciclo no qual as pessoas se sentem compelidas a buscar intervenções para se sentirem aceitas ou valorizadas, mesmo que isso signifique comprometer sua saúde ou segurança.
Essas abordagens de marketing tentam equilibrar a necessidade de responder às críticas sobre os padrões de beleza inatingíveis e, ao mesmo tempo, continuar a promover os procedimentos estéticos como soluções desejáveis.
Isso reflete uma dinâmica complexa onde, apesar do reconhecimento das questões em torno da pressão estética, ainda há um impulso contínuo para manter a indústria lucrativa.
Crítica ao Culto da Beleza
Filósofos como Zygmunt Bauman criticam a obsessão da sociedade com a beleza física, argumentando que ela reflete valores consumistas e superficiais. Bauman discute como a busca pela perfeição estética é emblemática da fluidez das identidades na modernidade líquida, onde as imagens de si são consumidas e descartadas rapidamente.
Na ética, questões sobre autonomia e consentimento informado são centrais nas discussões sobre procedimentos estéticos. Filósofos como Martha Nussbaum abordam a importância de considerar o contexto social e cultural em que essas escolhas são feitas, questionando até que ponto a pressão social influencia as decisões individuais.
Alguns pensadores exploram a relação entre beleza, felicidade e bem-estar, questionando até que ponto a busca pela beleza estética contribui para a felicidade genuína. Eles argumentam que uma ênfase excessiva na aparência pode desviar a atenção de outras formas de desenvolvimento pessoal e realização.
Os exageros na indústria de procedimentos estéticos
Este é um fenômeno complexo, alimentado por uma combinação de pressões sociais, comerciais, tecnológicas e psicológicas. Para combater esses exageros, é essencial educar as pessoas sobre os riscos e benefícios dos procedimentos estéticos e incentivar uma abordagem mais equilibrada e compassiva em relação à nossa própria aparência.
Talvez hoje, Narciso pudesse ter encontrado a satisfação estética que buscava por meio de um preenchimento labial, poderia ter recorrido a tratamentos de depilação a laser e implantes capilares para ajustar sua aparência conforme as expectativas ao invés de se perder em sua própria imagem. Pandora, ao invés de abrir a caixa dos males, poderia ter optado por um tratamento de rejuvenescimento facial para realçar ainda mais sua beleza natural, sem preocupações com os perigos ocultos.
Iduna poderia ter encontrado um equilíbrio estético perfeito por meio de procedimentos como a rinoplastia e a cirurgia plástica, eliminando qualquer discordância visual em seu relacionamento.
No entanto, essa ironia ressalta a importância de reconhecer que a verdadeira beleza vai além da aparência externa e que os problemas enfrentados pelos personagens da mitologia — e os de hoje — refletem questões mais profundas do que simplesmente questões estéticas. É coisa de gente eternamente faltante.
É como pontuou Roger Scruton, dizendo ser essencial para o florescimento do sentido humano e para a criação de laços emocionais e espirituais, que o homem reconheça a beleza natural, para fazer as pazes com o mundo ao nosso redor.
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@lealmurillo | Jornalista | Top Voice Linkedin | Storytelling e Conteúdo
