A fé ideológica é tão cruel quanto a fé religiosa
Se a religião saiu de cena, quem sentou na cadeira de Deus?
Essa é uma pergunta que venho me fazendo tem algum tempo. Filósofos, teólogos e psicólogos teriam, sem dúvida, centenas de respostas bem melhores para isso do que eu, mas quero expor algo de maneira mais simples possível.
Acho curioso como o assunto deus não interessa apenas os religiosos. É claro que bater na religiosidade é como chutar cachorro morto na era em que a fé é um objeto menosprezado.
Pensar essencialmente em Deus, filosoficamente falando, difere de pensar em religião. A discussão a respeito da sua existência ou da sua ação efetiva no mundo enfrenta anos e anos de debates. Claro, não planejo solucionar este mistério em um post simples e cheio de limitações. Mas, perguntar ainda posso.
A questão aqui é: se deus saiu de cena da vida das pessoas, fica o que no lugar? Bem, não é novidade que a prática religiosa está em declínio, me refiro a frequentação de templos, as práticas cerimoniais, ao engajamento das pessoas no que se refere as ordens, protocolos e leis morais, e até mesmo ao visível declínio de autoridade das instituições como um todo no mundo.
No entanto, o vazio deixado na ausência de Deus ainda está lá. Ele permanece lá. Nietzsche decretou a morte de deus. E deixou algo no lugar? Sim, algum ceticismo e uma impressão de que somos um barco desgovernado procurando uma ilha para atracar. Ele errou, mas acertou.
O meu ponto é: Ao que tudo indica, parece que estamos substituindo as narrativas religiosas por narrativas ideológicas. Se Freud acusou deus de tentar suprir a orfandade natural do homem “inventando” um pai amoroso e seguro, agora, os símbolos políticos mais uma vez roubaram o discurso esperançoso, redentor e salvífico que antes estava na boca da espiritualidade.
Penso que ideologia são tão perigosas como as religiões. Elas oferecem uma alienação preocupante sem a transcendência. Tem o ritos claros, o discurso inflamado, o credo rígido, os rituais sacralizantes, as crenças cegas, a servidão voluntária, a idolatria fiel e a toda a complexidade simbólica de uma religião. E também matam.
A igreja pode ter perdido o posto para a ideologia. E essa confusão ainda está acontecendo no mundo. Portanto, é razoável pensarmos que toda a acusação que já foi feita a religião, cabe proporcionalmente também a política? Cada sentença pesada dada a Deus, cabe também aos ídolos e mitos da política? Cada castigo dado aos pecados pela religião, podem ser imputado ao homem que não sabe lidar com quem pensa diferente dele?
No fim, no lugar de Deus está qualquer coisa que amamos mais que a gente próprio. Às vezes, o nosso Deus são nossas ideias, nossos vícios, nossas certezas, nossa falta de humildade. No lugar do diabo, está meu inimigo político. No lugar do inferno, condenamos oponentes ao escárnio. Nesse caso, é melhor ser ateu da capacidade de ganhar a sua própria salvação.
O lugar de Deus nunca está vazio. O que houve foi que você escolheu deixar a divindade, a fé, a espiritualidade para a terceira via, que, claramente, nunca existiu em você.
A paixão ideológica mata tanto quanto o uso de qualquer discurso sobre deus para justificar o horror que nos tornamos sem o senso de eternidade. Se matamos deus, por que nossos ídolos políticos ainda sobrevivem?