Controlar o que as crianças veem na internet não é o bastante, o problema é a infância baseada em smartphones

Murillo Leal
5 min readFeb 23, 2024

Vamos falar sério: controlar o que as crianças veem na internet não é o bastante para deixar as redes sociais seguras para elas. O problema real é a infância baseada no telefone, que prejudica as crianças, independentemente do conteúdo que elas veem. Precisamos ajudar as crianças a se desligarem um pouco dos smartphones e das redes sociais, especialmente quando estão passando pela adolescência, que já é uma fase essencial para formar a identidade.

Antigamente, ninguém dava muita bola para o que as crianças precisavam ou queriam. Eram vistas mais como pequenos adultos em treinamento do que como indivíduos com necessidades próprias. Os pais e a sociedade, em geral, estavam mais preocupados com as necessidades básicas, como alimentação e abrigo, do que com as necessidades emocionais e sociais das crianças.

Com o tempo, as coisas mudaram, e as crianças começaram a ser vistas como importantes na família. Hoje, as crianças ocupam um lugar central nas famílias modernas. Seus aniversários são celebrados com festas extravagantes, suas opiniões são ouvidas e consideradas nas decisões familiares e seu bem-estar emocional e psicológico tornou-se uma prioridade.

Os pais tornaram-se “sócios” dos especialista em medicina, psicologia e pedagogia no empreendimento da criação dos filhos. E hoje, buscam criar um ambiente acolhedor e estimulante para o desenvolvimento saudável de seus filhos. As crianças passaram de coadjuvantes a protagonistas, ganhando mais atenção e cuidado dos pais e da sociedade.

Com o passar dos anos, os valores sociais começaram a mudar. As ideias sobre a infância e a importância de cuidar das crianças evoluíram. As pessoas começaram a reconhecer que as crianças têm sentimentos, desejos e necessidades únicas que precisam ser atendidas.

O estudo do desenvolvimento infantil e da psicologia infantil também teve um grande impacto. Psicólogos e pesquisadores começaram a entender melhor como as crianças pensam, sentem e aprendem. Isso levou a uma maior valorização da infância e à importância de nutrir o bem-estar emocional das crianças.

Os pais enfrentam uma crescente pressão para serem considerados “bons pais”, o que muitas vezes resulta em uma obsessão pelo bem-estar das crianças. Com o acesso facilitado à informação devido ao avanço tecnológico, parece que os pais têm mais recursos do que nunca para aprender sobre parentalidade e desenvolvimento infantil, porém essa abundância de informações gera uma sobrecarga e a sensação de que é necessário fazer tudo “certo” para garantir o bem-estar dos filhos.

Há também uma cultura de competição entre pais, onde o sucesso dos filhos é visto como um reflexo do sucesso dos próprios pais, levando-os a buscar incessantemente proporcionar todas as oportunidades possíveis para que se destaquem em um ambiente competitivo. O medo do fracasso parental tem um papel significativo, levando alguns pais ou a adotarem uma mentalidade de controlar todos os aspectos da vida de seus filhos para garantir seu sucesso e felicidade ou de recusar até mesmo a missão de serem pais.

As pressões econômicas muitas vezes também obrigam os pais a fazerem investimentos financeiros significativos em atividades extracurriculares, tutoria e educação de alta qualidade, na esperança de oferecer às crianças as melhores oportunidades possíveis para um futuro promissor.

Essa mudança trouxe um monte de coisas para se preocupar. As crianças hoje são bombardeadas com um monte de informações e estímulos o tempo todo, porque quase tudo está ao alcance de um clique. E os pais, por estarem sempre ocupados e se sentindo culpados por não passarem tempo suficiente com os filhos, acabam deixando essa situação de lado. Resultado: perdemos nossos filhos, mesmo eles estando no quarto ao lado.

Sem contar que as famílias estão tendo menos filhos, gastando mais com um suposta educação de qualidade e vendo um aumento nos casos de problemas mentais entre as crianças e adolescentes. Tudo isso cria um ambiente cheio de estresse, culpa e falta de tempo de qualidade entre pais e filhos.

Parece loucura, mas hoje em dia é comum, crianças fazerem terapia. E isso tudo é devido às coisas que falei antes. Chegamos num ponto em que parece que não tem mais volta. A gente fala em tornar a terapia mais acessível para todos, mas isso é um desafio enorme em um país com tanta gente passando necessidade. E só criar mais tipos de forma de tratamento não resolve o problema de verdade. É um baldinho de água no inferno.

Comentei com um amigo outro dia que aquele país é mãe que colocar o celular como substituto da atenção que ele teria que dar para seu filho, na verdade não é capaz de suportar conversar, estar, ser parte da vida do filho. Ele ficou em choque porque era verdade. Quando não suportamos nossos filhos, precisamos de substitutos.

O que precisa mesmo é os pais tomarem uma atitude forte quanto ao uso do celular e das redes sociais pelos filhos. Não adianta só controlar o que eles veem. O problema maior é que a vida das crianças está toda em um telefone, e isso faz mal para elas.

O debate sobre o conteúdo é apenas uma cortina de fumaça. Não temos como blindar nossos filhos apenas por meio de leis, regulamentações e burocracias. Acredito que somente com o papel ativo dos pais em participar da vida de seus filhos, sendo um moderador de confiança para o consumo deles, cada criança e família podem inserir o mundo digital em suas vidas de forma construtiva, saudável e emocionalmente madura.

Não adianta terceirizar a responsabilidade para os criadores de conteúdo, para a indústria fomentada por consumidores, para influencers que miram nesse público sem condição de separar mercado de diversão. Mais importante que controlar o conteúdo, é aproximar o filho de uma consciência digital mais saudável.

Nesse debate, é infinitamente mais fácil mirar nas empresas, nas escolas, nos professores, nos legisladores, nos políticos, nas babás, no colega que é má influência para seus filhos e muito mais difícil fazer o trabalho de acompanhar o que nossos filhos têm visto. Não que não haja certa responsabilidade das instituições, mas a primeira função dos pais é ser o protetor daquilo que seu filho se alimenta mentalmente, emocionalmente, intelectualmente sob sua tutela.

Sem querer exagerar, mas se a gente não ajudar as crianças urgentemente a se desconectarem um pouco, especialmente na adolescência, a gente está falhando com elas de um jeito bem sério e irreversível. Não é só questão de controlar o conteúdo; é preciso repensar como a infância e a adolescência está sendo vivida hoje em dia. Não é possível reverter os avanços da tecnologia, mas é possível criar uma mentalidade que resiste mais ao impacto do que se vê na internet e como se vive na realidade.

É um desafio enorme para todos, mas começa com uma aproximação real dos filhos, de criar neles, o senso de que somos confiáveis protetores da sua integridade física, emocional e afetiva. Arranquem o celular dos seus filhos, e invista nele.

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@lealmurillo | Jornalista | Top Voice Linkedin | Storytelling e Conteúdo

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Murillo Leal

#Jornalista e #escritor • TOP VOICE #linkedin 390 mil seguidores • Especialista em #storytelling • Colunista @rockcontent | murilloleal.com.br