E essa mania de deixar pra amanhã?
Por que deixamos tudo para depois?
Não é fácil pertencer ao agora. Algumas pessoas recebem a procrastinação com um jantar à luz de velas. Outras, ficam desconfortáveis com a ideia de prolongar tudo que puder. O brasileiro tem a objetividade de um buscapé.
Não é exagero dizer que a vadiagem e a protelação já constituem duas das colunas da brasilidade. Como Nelson apontava nas décadas anteriores: “O brasileiro é um feriado”. Tem alma da folga e a índole do sossego.
Isso não quer dizer que finco a estaca na opinião permanente de que o brasileiro não trabalha sob nenhuma hipótese, talvez seja até o mais esforçado, mas é elementar notar que gosta do ócio tanto quanto de feijoada.
Não faço o jogo anti-patriota de falar mal do Brasil por esporte (ainda mais em épocas de ultranacionalismo ufanista das carreatas intagrameáveis), mas, precisamos convergir num ponto incontestável: Nada mais brasileiro que a capacidade de dar um jeito e a aptidão para adiar.
As almas mais sensíveis ao discurso hiperbólico das frases de efeito que disparo me acusarão de estar sendo injusto, mesquinho e arrogante. Aceito as incriminações como quem cumpre a pena apenas para provar um ponto.
Essa coisa de dar um jeito em tudo é reconhecida mundialmente pelos gringos na mesma medida que é incompreendida por eles. O Zé Carioca é uma caricatura simplista, caricata e tupiniquim, dolorosamente verdadeira.
Tenta explicar para um estrangeiro algumas brasilidades como a rede de dormir, os velhinhos de praça e o domingo a tarde, e ele, terá certeza absoluta de que está numa ficção complexa. Não há corpo jurídico ou diplomático que seja capaz de defender o “jeitinho brasileiro”.
Adiar, por sua vez, é quase uma norma de conduta aos que sentem-se cansados sem saber a razão. Praticamente um instinto inelutável que tem uma força espontaneamente abissal contra o ser humano da raça brasileira. É mais que anti-produção, é o próprio retardo voluntário.
A vida que vale a pena nessa realidade, se resume em: nascer sem esforço, crescer sem trabalho, reproduzir-se sem fadiga, procrastinação com excelência e morrer em tempo oportuno. Até a vida torna-se um verdadeiro e inevitável desestímulo para muitos que se permitem abreviar tudo de maneira psicossomática.
Quase como um reflexo condicionado, diante de um problema, encontrarmos uma reação instantânea. Resumir-se ao: Já vou, daqui a pouco, mais tarde, amanhã, segunda-feira, semana que vem…. Tanto faz.
Para o bem e para o mal, o depois é uma possibilidade sempre viável. Estamos sempre empurrando o trabalho demandado, o encontro marcado, o almoço reesquentado, o telefonema prometido, o dentista inevitável.
Sou do pequeno grupo que acredita que algumas tarefas mereciam prorrogação imediata: a conversa séria com a pessoa amada, o pagamento em dia do imposto, as férias merecidas, a reforma do governo, o exame médico no meio da semana, a visita dos parentes de pêsames, o mecânico do automóvel e a cidade de São Paulo como um todo.
Duas, apenas duas não conseguem ser adiadas: O amor vindouro e a morte à porta. As promissórias estão sempre na esquina. Pontuais como um infarto. Essa mania de deixar para amanhã acompanha o ser humano como saboroso feijão no meio do alvo arroz caucasiano. Inseparáveis.
O brasileiro é o pior adiador. É aquele modelo romântico, que realmente acredita que um dia irá tomar jeito na vida. Está no DNA do brazuca a palavra amanhã como uma incessante delonga escrita no manual de fábrica default.
Não é a toa que somos um povo do depois. Após o carnaval, assim que me aposentar, depois do feriado, assim que der, quando as coisas melhorarem, no dia que eu puder. Ademais, a gente vai esticando até espichar toda a possibilidade, dilatar todo desânimo e o hoje ser ontem pensando apenas no amanhã.
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