Entremés

Murillo Leal
4 min readFeb 16, 2024

Termo que pode referir-se a um prato servido entre dois pratos principais em uma refeição ou a pequenas peças de teatro apresentadas entre atos de peças maiores.

Eu já nem lembro o nome do restaurante, mas na minha temporada de moradia em São Paulo, resolvi sair para andar num dia assim meio desanimado. Como recompensa por aquele dia exaustivo, resolvi entrar no primeiro lugar que desse na telha para comer.

Ao entrar numa fachada bem iluminada no Itaim, Jardins ou Morumbi, fui recebido por um garçom latino muito simpático com aquele sotaque dos mágicos de tv dos anos 90, talvez venezuelano ou colombiano. O ambiente era bem quente, paredes vermelhas estilo vinho com uma decoração que equilibrava o rústico com o moderno, luzes amarela suaves penduradas em fios de cobre que criavam um clima intimista.

Peguei o menu na mão, uma seleção curiosa de comida mediterrânea, cada um com uma história própria, contava a origem de seus ingredientes e a inspiração por trás de suas criações. O cardápio era uma mistura de glossário gastronômico com um livro de história.

Pedi uma entrada chamada “Crepúsculo no Pomar”, era uma obra-prima de sabores doces e ácidos: uma crostata com geleia de frutas vermelhas silvestres, servida sobre uma base crocante de pistache e coroada com uma calda de tangerina. Para acompanhar, uma bebida doce que tinha “Puppy alguma coisa” no nome.

Encerrei o primeiro prato e o funcionário, veio me oferecer um entremés. Na minha deselegância, perguntei do que se tratava e ele explicou: “Chama “maré cheia”, ele homenageia o oceano com delicadas fatias de peixe cru, marinadas em um molho cítrico com toques de ervas finas, acompanhadas de uma espuma de coco que lembrava a espuma das ondas.”

Fiz cara de não entendido e disse que estava me referindo àquela palavra: Entremés. E ele, num salto lógico de finesse me esclarecia: “Ah, sim, é uma pequena porção de alimento servida antes do prato principal em uma refeição. É uma espécie de prelúdio gastronômico, feito para estimular o apetite e preparar o paladar para as delícias que estão por vir”.

Imagine que a vida é como um desses pratinhos especiais que vêm entre o primeiro e o último prato no meio do jantar. O nascimento é a entrda. A morte, o prato final. Esse pratinho do meio é pequeno, mas cheio de sabor, servido entre os pratos principais para dar um gostinho do que está por vir e fazer com que a gente aproveite ainda mais a refeição. Agora, pense que a gente nasce sem saber direito onde está entrando e, no final, todo mundo sabe que vai chegar a hora de dizer tchau. Entre esse começo e esse fim, temos a vida, que é o nosso entremés.

A vida não é só um tempinho entre dois momentos grandões e misteriosos; é nossa chance de experimentar um montão de coisas, aprender e sentir tudo que dá. Assim como o entremés numa janta caprichada, nossa vida coloca um monte de experiência e emoção entre o momento que a gente chega e a hora de partir.

Cada coisa que a gente vive é como um pedacinho desse prato: tem dias doces, dias amargos e dias que são uma mistura dos dois. É tudo parte do cardápio da vida. E, olha só, entender a vida como esse pratinho especial nos faz pensar diferente sobre o tempo que temos. O tempo não é um saco sem fundo; cada segundo é um ingrediente valioso que a gente usa para fazer nossa existência saborosa.

Então, se a gente pensar na vida como esse entremés, a dica é curtir cada pedacinho, cada momento, como se fosse aquele prato feito com carinho, que a gente não quer que acabe. Mesmo sem ter elegância pra isso.

Saber que temos um tempo limitado aqui faz com que cada risada, cada abraço, cada desafio e cada momento sejam mais especiais. É como se a vida fosse esse prato delicioso no meio do jantar, nos preparando para algo grande que a gente ainda não conhece.

O constrangimento de não saber como comer um prato desconhecido ou como agir adequadamente para consumi-lo pode ser uma experiência desconcertante e, às vezes, até um pouco embaraçosa. Você olha para aquele emaranhado de cores e texturas, sem ter a menor ideia do que está prestes a consumir. Os ingredientes são tão estranhos que você nem mesmo consegue pronunciar seus nomes, quanto mais identificá-los.

Às vezes nos encontramos em lugares estranhos, onde as regras e etiquetas são completamente diferentes daquelas a que estamos acostumados. Podemos nos sentir perdidos e confusos, sem saber como agir ou o que fazer. Da mesma forma, assim podemos tentar imitar os outros clientes no restaurante, muitas vezes seguir o exemplo dos outros na vida, buscando pistas e orientações sobre como navegar por essas situações desconhecidas. No entanto, mesmo assim, ainda podemos nos sentir deslocados e inseguros, mas avançar em saborear como pudermos o que está adiante.

Essa ideia do entremés é uma maneira bem legal de ver a vida: um intervalo cheio de chance para a gente viver de verdade, aprender, crescer e aproveitar. E o melhor ainda vai vir. Talvez o segredo de uma vida boa seja exatamente esse: valorizar cada segundo, se jogar nas experiências e encarar tudo com vontade, sabendo que, na grande refeição que é a existência, nosso entremés pode ser a gororoba desconhecida mais saborosa até que estejamos satisfeitos no final. É o risco.

@lealmurillo | Jornalista | Top Voice Linkedin | Storytelling e Conteúdo

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Murillo Leal

#Jornalista e #escritor • TOP VOICE #linkedin 390 mil seguidores • Especialista em #storytelling • Colunista @rockcontent | murilloleal.com.br