Há tanta gente ensinando de tudo na internet, mas por que o mundo parece não melhorar?

Murillo Leal
7 min read5 days ago

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Você está navegando por suas redes sociais. Cansado, exausto da rotina diária, e decide dar uma pausa, rolando a tela do celular sem muito propósito. No meio das postagens, surge um vídeo curto. Um sujeito bem-apessoado, falando com convicção, olha diretamente para a câmera e dispara uma frase impactante: “O segredo do sucesso não está no esforço, mas na mentalidade. Mude sua mente, mude sua vida.”

A frase é simples, soa profunda. Você sente um arrepio. Talvez seja exatamente isso que estava faltando para destravar seu potencial! Nos comentários, centenas de pessoas concordam entusiasmadas: “Isso mudou minha vida!”, “Esse homem é um gênio!”, “Eu precisava ouvir isso!”.

Curioso, você clica no perfil e descobre uma infinidade de vídeos semelhantes. Todos cheios de máximas poderosas, embaladas em discursos motivacionais ou críticas afiadas ao mundo moderno. O guru em questão, não apresenta argumentos nem fundamentação. Não há método, lógica ou uma linha de raciocínio clara. Somente frases isoladas, soltas, feitas para causar impacto instantâneo.

Você talvez nem perceba, mas está sendo seduzido por uma falsa sensação de sabedoria. O que esse guru faz não é ensinar — é oferecer uma ilusão de conhecimento. Um atalho emocional que dispensa esforço intelectual. E, nesse momento, sem que você perceba, sua mente se fecha para a complexidade da realidade e se rende ao conforto da simplificação barata.

Agora, amplie essa cena. Multiplique esse fenômeno por milhões de pessoas, repetindo frases ocas, tratando slogans como verdades e se apegando cegamente a figuras carismáticas, em vez de se esforçarem para compreender o mundo por conta própria.

O resultado? Uma sociedade onde o pensamento crítico dá lugar à idolatria de falsos sábios, onde a verdade se torna irrelevante diante da viralização, e onde a profundidade intelectual é substituída pelo consumo frenético de ideias rasas e descartáveis.

Mas como chegamos a esse ponto? Por que os gurus ainda existem, mesmo em uma época que se orgulha de combater a desinformação? Por que as pessoas continuam fascinadas por frases de efeito que, no fundo, não significam nada? E mais importante: aonde isso vai nos levar?

Tanto gurus soltos por aí e continuamos indo de mal a pior. Isso nunca te incomodou? Não falo o guru no sentido tradicional do termo, aquele mestre que transmite uma tradição, que exige esforço, disciplina e comprometimento. Mas o “guru internético”, esse simulacro de sábio que reduz a complexidade da vida humana a um punhado de frases de efeito, sem substância, sem método, sem critério e sem a menor intenção de guiar alguém ao conhecimento real.

Mas a questão que se impõe, antes de tudo, é a seguinte: se estamos na era da informação, se nunca houve tanto acesso ao conhecimento, se a cultura da “desmistificação” se tornou quase um dogma moderno, por que essas figuras continuam a proliferar? E mais ainda: por que são tão adoradas, mesmo por aqueles que se julgam críticos e esclarecidos?

O que define o guru contemporâneo é sua capacidade de oferecer uma ilusão de sabedoria sem exigir o menor esforço de quem o segue. Ele é, antes de tudo, um marqueteiro, um publicitário de si. Sua técnica é simples: ele não ensina a pensar, ele oferece respostas prontas. Ele não desenvolve um raciocínio, ele cria um bordão. Suas palavras não têm profundidade nem conexão lógica, mas possuem o elemento essencial para capturar mentes despreparadas: o impacto emocional imediato.

E assim ele lança suas frases: curtas, categóricas, imutáveis. Sem movimento, porque não permitem evolução. Sem sentido, porque não correspondem à realidade concreta. Sem impulsionamento, porque não levam a ação real. Sem técnica, método ou critério, porque não têm compromisso com a verdade.

O resultado é devastador: seus seguidores não aprendem, não desenvolvem autonomia intelectual, não expandem sua consciência. Eles somente colecionam frases e as repetem, como papagaios treinados, acreditando que isso os torna mais sábios.

Para entender por que os gurus prosperam, é necessário reconhecer uma triste realidade: a maioria das pessoas não quer saber a realidade da sua condição. Quer se sentir inteligente sem precisar estudar. Quer parecer sábia sem o trabalho de aprofundar o pensamento. E é aí que o guru entra, oferecendo o atalho perfeito: “Não se preocupe com os detalhes, eu já fiz todo o trabalho por você. Basta repetir o que digo”.

Essa preguiça intelectual não é um fenômeno novo. Sempre houve aqueles que preferiram seguir um dogma pronto a encarar o esforço de pensar por si.

Mas a era da informação transformou esse problema em algo muito mais grave. Quanto mais conhecimento está disponível, menos as pessoas estão dispostas a lidar com ele. A facilidade de acesso à informação criou um paradoxo: ao invés de incentivar o estudo, gerou uma aversão à profundidade.

O pensamento real exige esforço. Filosofia, ciência, arte, tudo que envolve conhecimento verdadeiro demanda dedicação. Mas o mundo moderno ensinou que tudo deve ser imediato. O aluno que se senta para ler um texto de Aristóteles ou de Santo Tomás de Aquino e se depara com conceitos complexos, frases longas, ideias que exigem tempo para serem absorvidas, desiste rapidamente. “Isso é difícil demais”, ele pensa. Então ele recorre ao guru, que lhe oferece um substituto confortável: um aforismo impactante, mas vazio.

E o pior é que o seguidor do guru não percebe que está sendo enganado. Pelo contrário, ele se sente iluminado, esclarecido. Ele repete as frases de seu mestre como se fossem verdades profundas, sem notar que nada mudou em sua capacidade real de compreender o mundo.

Esse culto ao slogan, essa preferência por frases curtas e impactantes em detrimento da análise cuidadosa, tem consequências. Antes, as ideias levavam séculos para serem absorvidas pela sociedade. O pensamento aristotélico, por exemplo, moldou o Ocidente por mais de dois mil anos. O que temos hoje? Uma cultura onde a única coisa que importa é a viralização.

No passado, um conceito filosófico era debatido, refinado, questionado ao longo das gerações. Hoje, uma frase de efeito pode render milhões de curtidas, e isso basta para que ela seja aceita como verdade. A viralização se tornou o novo critério da realidade. O que importa não é se algo é verdadeiro, mas se é popular.

E essa cultura da superficialidade gera uma inversão perversa: os verdadeiros sábios são esquecidos, enquanto os marqueteiros do intelecto se tornam os novos oráculos. O público não busca mais o conhecimento, busca emoção. E o guru moderno é um mestre da emoção instantânea.

Se essa tendência continuar, aonde vamos parar? O futuro não parece promissor. Estamos caminhando para um mundo onde a realidade percebida se torna irrelevante, onde o critério da popularidade substitui o critério da lógica, onde o que importa não é a coerência de uma ideia, mas sua capacidade de causar impacto emocional.

E isso significa que, cada vez mais, seremos governados não pelos mais inteligentes, mas pelos mais carismáticos. Não pelos mais sábios, mas pelos mais populares. O que define um “intelectual” hoje não é sua erudição, mas sua habilidade de engajar seguidores. A cultura do conhecimento está sendo substituída pela cultura da influência.

E o mais alarmante é que essa mudança já está acontecendo. Olhe ao redor: quantas pessoas ainda valorizam o pensamento crítico? Quantas estão dispostas a questionar suas próprias crenças? Quantas aceitam se aprofundar num tema antes de emitir uma opinião? Cada vez menos. O que importa hoje é a velocidade da resposta, não a sua precisão. O número de seguidores, não a qualidade do pensamento.

A única solução é resgatar o valor do conhecimento real. E isso exige um esforço individual. Primeiro, é preciso recuperar o amor pelo estudo sério. Não há atalhos para a sabedoria. Ler, refletir, confrontar ideias — tudo isso é indispensável. O conhecimento só se torna verdadeiro quando assimilado pelo esforço da inteligência.

Depois, é fundamental desenvolver critérios. Sempre que ouvir uma “sentença que soa marqueteira”, questione. De onde veio essa ideia? Qual sua fundamentação? Se não houver uma resposta clara, descarte.

É necessário rejeitar a idolatria do intelectual como imagem, mas sim como substância. Não siga pessoas, siga ideias. Um pensamento só deve ser aceito se for logicamente coerente, não porque veio de alguém famoso. Praticar o pensamento é a única coisa que te tira disso.

O mundo não precisa de mais repetidores de slogans, precisa de pessoas capazes de pensar por si mesmas. Não há nada mais perigoso do que uma sociedade onde ninguém questiona, ninguém analisa, ninguém busca a verdade.

Os gurus continuarão existindo enquanto houver preguiça intelectual. Eles prosperam porque as pessoas querem certezas fáceis, não realidades difíceis. O problema não está somente neles, mas na sociedade que os acolhe.

O brasileiro, de modo geral, não apenas despreza a inteligência, mas a vê como uma afronta pessoal. Aqui, o verdadeiro pensamento, aquele que exige esforço, método e reflexão, é tratado como pedantismo, como uma excentricidade a ser ridicularizada. O que se valoriza não é o saber, mas a aparência do saber.

Em vez de buscar o conhecimento real, o brasileiro se contenta com a mera imitação — repete frases de efeito, adota trejeitos de intelectuais televisivos, ostenta livros que nunca leu e se orgulha de opiniões que não formou por conta própria. O culto ao guru moderno nasce dessa fraqueza: não se quer aprender, quer-se parecer sábio, sem o incômodo de pensar.

Mas a única forma de reverter esse quadro é resgatar a seriedade do pensamento. Enquanto a verdade for vista como um fardo e a superficialidade como um atalho aceitável, a humanidade seguirá na direção errada. A escolha, como sempre, é individual. Quem quiser se libertar do ciclo da ignorância precisa começar conhecendo sua ignorância agora.

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@lealmurillo | Jornalista | Top Voice LinkedIn | Storytelling e Conteúdo

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#Jornalista e #escritor • TOP VOICE #linkedin 390 mil seguidores • Especialista em #storytelling • Colunista @rockcontent | murilloleal.com.br

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