Para quem cansou da sua própria falta de sentido em tudo

Murillo Leal
5 min readDec 6, 2022

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Bastou eu terminar de assistir o documentário e o filme sobre o Van Gogh para comprar um livro de 744 páginas sobre ele. É um relato detalhado da vida do artista com um catálogo completo de suas 871 pinturas.

Vincent van Gogh é uma das figuras trágicas mais célebres da história da arte. Não me interessei na biografia e nas pinturas do artista porque precisava passar em um vestibular ou porque tinha um concurso, mas sim porque acredito que aquele homem, naquele século, naquele contexto, tem algo a me dizer hoje.

Comecei a notar com a idade que o conhecimento e a beleza salvará o mundo. Decidi faz anos que o que quero atrair para mim, são referenciais de beleza que substituam a loucura e a agonia do mundo destruído.

Adquiri então o hábito de manter o contato com o referenciais de beleza que possam me restaurar em meio a feiura.

Falei com meu irmão essa semana sobre como as grandes cidades vão abandonando os seus centros à medida que crescem para outras regiões, que lentamente ficam menos populadas. Logo, essas regiões se tornarão feias, tenebrosas, sem encanto, descuidadas e sem alma, portanto, sem beleza.

Reconheço que nunca serei um arquiteto de renome para captar de fato a beleza da Belle Époque. Provavelmente nunca conseguiria ter ouvidos aptos para absorver completamente tenores como Juan Diego Flórez ou sustentar qualquer elegância musical para dignamente escutar Aida Garifullina. Jean Sibelius, então, me sequestra.

Embora eu não consiga definir o belo numa frase simplista, você nunca me verá rejeitando a beleza constatável da alta cultura, é notório que as coisas belas transformam os olhos.

A busca pela beleza patente das coisas é mais que adesão a uma biblioteca de referenciais, mas é um caminho capaz de salvar a gente do horror.

Não levei muito tempo para perceber que a força que pode modificar a vida não está no mundo exterior, mas sim na própria ideia de beleza. Essa força que movimenta todas as nossas ações, precisa se sobrepor à brutalidade da vida.

Pense na quantidade de coisas que uma pessoa — por mais limitada que seja — precisa saber para simplesmente existir em sociedade. Agora, considere o excesso de códigos vigentes, de leis internas e externas, de normas sociais, de percepções distorcidas e aprendizados experienciais que todos nós temos.

Pode ser que a gente não consiga demonstrar tudo que é por meio das palavras, mas sabemos lidar no mundo de alguma forma, o que é muito mais difícil do que terminar o colégio.

A diferença entre aprender algo apenas com a experiência ou conscientemente, é que, por imitação, podemos adotar comportamentos mais apurados ou não. É sabido que o que se aprende sem concentração é muito mais simples do que o que se aprende prestando atenção intencionalmente.

Dessa forma, a cultura elevada dos séculos passados, incluiu os conceitos das civilizações anteriores, mas nem sempre os aceitando ou rejeitando completamente, mas foi tratada de uma forma criteriosa e de uma maneira que nunca mais se atingiu tão alto padrão de perfeição, habilidade e apreço por estética. Quem, no século XX, atingiu um nível de elaboração semelhante?

Nunca consigo compreender como um sujeito — seja ele relativamente instruído ou não na arte — se sinta orgulhoso ao dizer que é limitado em todos os campos.

Aqueles que reconhecem suas próprias insuficiências, mas não demonstram vontade de superá-las, vivem uma existência simplesmente reagindo ao que lhes apresentam como valioso, bonito, verídico e real.

A busca pelo conhecimento livre é uma força que modificará a estrutura da sociedade, e a estrutura interna de todos os que, com intenção, atravessarem o limiar do belo, num esforço genuíno para se afastarem da sua mediocridade preguiçosa. Desse modo, não podem ser escravizados por essa mesma estrutura convencional que rejeita o conhecimento.

A vida tem que abranger intelectualmente a estrutura e a forma de viver para ter os meios de ação que lhe permitam destruir a estrutura existente e criar outras melhores.

Sendo assim, acredito que seja necessário existir em nós um agente pessoal e ativo que seja mais forte que a sociedade na totalidade ou, pelo menos, consiga reunir, num determinado momento, uma realidade de referenciais que permitam criar uma vida mais suportável.

A alta cultura não é uma sublimação arrogante que diminui as formas mais simples de expressão, mas é a integração voluntária de alguém a uma referência a partir do contato com o melhor criado ao longo dos tempos.

Ao se interessar pela cultura, você está buscando se inserir no grupo das pessoas que podem conversar sobre a vida de maneira lúcida, e participar com melhores condições de escolha para si mesmo, usando aquilo que se criou de mais sublime ao longo dos tempos.

É óbvio que os personagens mais geniais e clássicos da história já não estão mais presentes. No entanto, após ter contato com eles e com o que fizeram, você começa a perceber que essas pessoas se referenciam umas às outras com frequência e cada uma está a par das atividades das outras.

O que a insistência em escolher a alta cultura e a recusa da cultura vazia te faz é que você, com o tempo, com o estudo e com a humildade, pode se considerar um membro desse diálogo nobre.

E quando você entende o que eles estão falando, como resolvem problemas conhecidos e conhece todo o sistema de inter-referências ali presentes, você também ganha um novo olhar para vida e beneficia-se do mais alto padrão de qualidade de vida.

E por que você desiste no meio do caminho?

Esse esforço para o aprendizado é, sem dúvida, mais complexo em relação aos outros. Não dá para entrar em certas discussões sem se esforçar. É preciso algum exercício de insistência e repetição para aprender a pensar muito antes de começar a perceber as conexões.

Você percebe que todas as ideias, valores e critérios da sua sociedade vêm de alguém que teve uma intenção no campo do pensamento. Esse conhecimento pode parecer comprometido, mas, se aprender a examiná-la, verá de onde surge.

Apenas ao ter consciência da origem é que se começa a compreender as consequências dessa ideia, pois se tem noção de onde veio, como se desenvolveu, quais as mudanças que sofreu e quais as reais possibilidades.

Se não tem o desejo de aprender, de admirar o que é bonito, de se inteirar sobre o que é considerado culto e de estabelecer parâmetros sadios para si, o seu entendimento acerca da vida é apenas uma massa de ideias confusas, não é um conhecimento necessário e sim uma forma de fugir da realidade e morrer estando vivo.

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Murillo Leal

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