Por que algumas histórias viralizam e outras não?

Murillo Leal
8 min readNov 21, 2024

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Entre a avalanche de postagens, um vídeo aparece. Em poucos segundos, ele captura sua atenção: uma história de superação, comovente e inesperada. Talvez seja sobre um cachorro, que foi resgatado e reencontrou seu dono após anos. Ou um jovem que transformou sua vida com um gesto simples, mas poderoso.

Antes que você perceba, você já compartilhou o conteúdo com seus amigos e sente aquela sensação quase mágica de conexão. Por que isso aconteceu? Por que essa história, entre tantas outras, tocou você de forma tão profunda?

Agora, pense no oposto. Quantas histórias passaram despercebidas hoje? Quantos conteúdos você rolou sem ao menos dar atenção? O que diferencia essas narrativas? A verdade é que vivemos em um mundo saturado de informações, onde apenas as histórias certas conseguem atravessar o ruído e chegar até nós.

O Segredo Técnico do Storytelling Viral

A pergunta inicial é simples: por que algumas histórias viralizam enquanto outras não conseguem sair da sombra? A resposta, entretanto, é uma armadilha intelectual, porque envolve forças sutis que atravessam desde a psicologia individual até a manipulação em larga escala da consciência coletiva.

Para entender o storytelling, primeiro precisamos desmascarar o seu uso moderno. A arte de contar histórias, como a entendemos hoje, foi domesticada para servir propósitos mercadológicos e ideológicos. O que deveria ser uma expressão da alma humana tornou-se ferramenta de controle social.

O que uma história viral representa não é necessariamente o que há de verdadeiro, belo ou bom, mas o que foi habilmente ajustado às expectativas ou fragilidades da audiência.

Historicamente, as histórias eram contadas para transmitir sabedoria — eram depositárias do significado último das coisas. As narrativas mitológicas, por exemplo, não apenas explicavam fenômenos naturais, mas conectavam o indivíduo a algo maior do que ele mesmo. Hoje, porém, muitas histórias viralizam não porque nos conectam ao subjetivo, mas porque nos submergem no efêmero.

Por trás dessa inversão está a manipulação da imaginação humana. Se a imaginação deveria ser uma janela para enxergar o transcendente, ela agora é capturada pela linguagem publicitária e pela retórica emocional, tornando-se um refém dos interesses mercadológicos e das agendas ideológicas.

É como se cada viralização fosse um pequeno golpe contra nossa liberdade interior, porque a narrativa que viraliza joga frequentemente com nossas reações mais automáticas: medo, desejo, inveja, raiva ou vaidade.

Emoções como “chave mestra” da atenção

As histórias que viralizam tocam as emoções em um nível visceral. Rir, chorar, indignar-se ou espantar-se — essas são reações que nos conectam a algo maior do que a pura lógica. Este não é um dado acidental.

As emoções possuem a capacidade de congelar o tempo subjetivo. Um indivíduo emocionalmente afetado não raciocina: ele reage.

Aqui mora o grande poder — e o grande perigo — do storytelling viral. A técnica manipula as emoções não para libertar, mas para capturar. Pensem nas grandes tragédias modernas, amplificadas pela mídia. Elas não são apenas narradas; elas são dramatizadas até o ponto em que nos tornamos reféns emocionais da história.

O risco, portanto, é que o uso reiterado dessa técnica não nos torne mais esclarecidos, mas mais propensos a sermos manipulados. Como dizia Aristóteles, a emoção é um componente necessário da vida humana, mas a virtude reside no controle dela, não na submissão.

A simplificação binária é a arma da hipnose narrativa

Outra característica central do storytelling viral é a sua estrutura binária: o herói contra o vilão, o bem contra o mal. Por que isso funciona? Porque simplifica uma realidade complexa, tornando-a acessível até para as mentes mais despreparadas. No entanto, a realidade raramente é simples, e a busca pela verdade é frequentemente labiríntica.

Precisamos considerar o “”imaginário fechado”, a tendência de certos discursos em criar narrativas absolutas, com respostas claras para dilemas que, na prática, são insolúveis. É precisamente essa estrutura que encontramos nas histórias virais. Elas não só tem o papel que educam; elas hipnotizam. Oferecem catarse, mas não necessariamente conhecimento.

O perigo é que essa simplificação reduz frequentemente as pessoas a personagens fictícias em um teatro ideológico.

O herói é santificado, o vilão demonizado e a audiência é manipulada a tomar partido sem qualquer análise racional. O storytelling viral é, neste sentido, uma ferramenta perigosa nas mãos de quem deseja moldar consciências para fins imorais.

O poder da ressonância pessoal

“Isso poderia ser sobre mim.” Esta frase é a pedra angular do storytelling que conquista o coração do público. Quando a audiência se vê refletida na história, cria-se um vínculo quase inquebrável. Contudo, aqui surge uma pergunta moral: o que justifica usar a identificação pessoal para capturar a atenção das massas?

Esta técnica pode ser usada para o bem — como nas grandes histórias de superação que inspiram — ou para o mal, como nas narrativas populistas que inflamam paixões destrutivas. A técnica em si é neutra, mas seu uso nunca é.

Platão, em sua crítica à poesia e ao teatro, alertava contra o perigo da mimese descontrolada — a imitação que seduz os sentidos sem educar a alma (a parte mais subjetiva do ser). Isso vale para o storytelling viral. Usar a identificação pessoal sem um objetivo moral elevado é como entregar um revólver a uma criança: o estrago é certo.

O contraste inesperado e o fascínio do imprevisível

Ah, como gostamos de reviravoltas! A injustiça absurda, a superação inesperada, o escândalo inacreditável — tudo isso prende a atenção como um ímã. Mas, será que este fascínio pelo imprevisível não revela nada profundo sobre nossa relação com a verdade?

Vivemos em um tempo em que o extraordinário se tornou a norma. Os algoritmos das redes sociais nos condicionaram a desejar constantemente algo que nos surpreenda. Isso nos torna presas fáceis para narrativas manipuladoras. Uma reviravolta não é sinônimo de revelação; muitas vezes, é apenas um truque.

O storytelling viral que abusa do inesperado cria uma audiência permanentemente insatisfeita, incapaz de valorizar o ordinário ou de encontrar significado nas verdades mais simples. O risco aqui não é apenas a manipulação; é o empobrecimento espiritual de uma sociedade que busca distração em vez de entendimento.

A conclusão é inevitável: as ferramentas do storytelling viral são armas fundamentais, mas eticamente ambivalentes. Emoções intensas, simplificações binárias, identificação pessoal, contrastes inesperados — tudo isso pode ser usado tanto para iluminar quanto para enganar.

Aqui, a técnica se encontra com a moralidade. A viralização em si não é um bem. É apenas um meio. A questão central é: o que desejamos alcançar? Que tipo de sociedade estamos construindo quando celebramos histórias que apelam para nossos instintos mais baixos em vez de elevar nossa compreensão?

No marketing, o storytelling eficaz é aquele que compreende o ser humano em sua totalidade — suas emoções, aspirações e até suas fragilidades. Uma história bem contada não apresenta apenas um produto, mas uma experiência ou um ideal. Pense em como campanhas bem-sucedidas da Nike não vendem apenas tênis, mas o desejo de superação e conquista pessoal.

Um storytelling bem estruturado pode educar o consumidor sobre os benefícios de um produto ou serviço sem que isso pareça forçado. Aqui, o conteúdo deixa de ser meramente promocional e se torna informativo. Por exemplo, um fabricante de alimentos orgânicos pode usar narrativas para ensinar sobre saúde e sustentabilidade, ligando o produto a um propósito maior.

Quando o consumidor se vê refletido na narrativa, o marketing transcende a transação comercial e cria uma relação de confiança. Isso é especialmente eficaz em campanhas que exploram a jornada do cliente, mostrando como o produto ou serviço resolve um problema real ou realiza um sonho.

Por outro lado, o mesmo poder que cria desejos legítimos pode ser usado para esconder intenções obscuras ou promover frivolidades passageiras.

Algumas campanhas usam histórias vazias que apelam apenas para sensações momentâneas, sem conexão com a realidade ou o produto. Por exemplo, propagandas que usam choque ou escândalo apenas para capturar atenção podem gerar engajamento, mas não fidelizam clientes nem criam valor duradouro.

A manipulação ocorre quando o storytelling deliberadamente omite informações ou distorce a verdade para levar o consumidor a decisões que ele não tomaria de forma consciente. É o caso de produtos de beleza que prometem resultados irreais ou campanhas que exploram medos sem oferecer soluções concretas.

Campanhas que disfarçam intenções comerciais sob o manto de causas sociais ou ambientais — sem um compromisso verdadeiro — acabam afastando consumidores mais conscientes. Esse tipo de abordagem não só falha em gerar confiança, como também pode prejudicar a reputação da marca.

A Psicologia do Consumo Narrativo

Quando consumirmos histórias virais, raramente nos perguntamos sobre os efeitos que elas têm sobre nossa subjetividade.

Toda boa história deveria provocar, ao menos, um vislumbre de autoconhecimento ou de conexão com algo maior. Mas o que vemos na maioria das narrativas virais é o oposto: a gratificação instantânea e o empobrecimento do imaginário.

É o que chamode redução da consciência a um automatismo pavloviano, onde reagimos como cães a estímulos previamente calculados.

O problema aqui não é apenas estético ou técnico, mas ético. Quando uma história viraliza, ela passa a moldar comportamentos, percepções e até mesmo políticas públicas. Se o conteúdo que viraliza não reflete uma busca legítima pela verdade, estamos cultivando uma sociedade de iludidos, conduzida por narrativas que não têm nenhuma relação com a realidade.

Para que histórias melhores possam viralizar é necessário educar tanto quem cria quanto quem consome narrativas.

Aqui, a formação literária, filosófica e espiritual é indispensável. Quem conhece Shakespeare, Dostoiévski ou qualquer repertório cultural sofisticado possui critérios superiores para avaliar as histórias do dia a dia. Não será facilmente manipulado por slogans ou truques emocionais.

O papel da linguagem na formação é o da imaginação moral. A linguagem de hoje foi corrompida para favorecer a vulgaridade e a manipulação. Quando as palavras perdem sua capacidade de nomear a realidade, o storytelling se transforma em um instrumento de desconexão — desconexão com a verdade, com os outros e, por fim, consigo mesmo.

Para as histórias viralizarem e, ao mesmo tempo, serem dignas de viralizar, precisamos de narradores que não apenas saibam manipular os mecanismos técnicos do storytelling, mas que também tenham compromisso ético com a busca do verdadeiro. Mais ainda, precisamos de um milagre: uma audiência que valorize a qualidade do conteúdo mais do que a velocidade da sua disseminação. Sonhar não custa.

A pergunta não é apenas porque algumas histórias viralizam e outras não. A pergunta mais profunda é: o que as histórias que viralizam dizem sobre nós?

É preciso retomar o controle da imaginação coletiva, resgatando a riqueza perdida do contar histórias, e fazer com o propósito de reconectar a alma humana ao eterno, ao verdadeiro e ao belo. Afinal, se continuarmos a nos alimentar de narrativas que apenas nos distraem, logo não restará mais nada para contar — e, talvez, ninguém capaz de escutar.

Mergulhe na arte do storytelling aprendendo mais num curso completo ou me deixando te ajudar a transformar a história do seu negócio, na prática, a maneira como sua marca é percebida, sentida e lembrada. Porque no final, as melhores marcas são aquelas que contam as melhores histórias.

@lealmurillo | Jornalista | Top Voice LinkedIn | Storytelling e Conteúdo

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Written by Murillo Leal

#Jornalista e #escritor • TOP VOICE #linkedin 390 mil seguidores • Especialista em #storytelling • Colunista @rockcontent | murilloleal.com.br

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