Um ditador não pode ser um ditador na terapia
Um homem de semblante carregado e olhar perdido adentra o consultório de um renomado terapeuta. Este homem não era um cidadão comum; era um ditador conhecido por suas decisões brutais e pelo medo que instilava no coração de seu povo.
Ditador: Eu vim aqui porque… bem, as coisas que fiz, as decisões que tomei… elas pesam sobre mim.
Terapeuta: Entendo sua preocupação, mas é importante lembrar que você estava em uma posição complicada. Muitas vezes, as pessoas não veem as pressões que você enfrentava. Vamos explorar isso sem julgamentos, ok?
Ditador: Mas é justamente isso. As decisões que tomei, elas afetaram milhares… não, milhões. E não de uma maneira boa.
Terapeuta: Veja, todos nós somos produtos do nosso ambiente. As escolhas que você fez, foram influenciadas por inúmeras variáveis externas. Você realmente acredita que teve escolha, dadas as circunstâncias?
Ditador: Eu era o líder. A escolha final sempre foi minha. As vidas que foram perdidas…
Terapeuta: Sim, mas considere isso como uma oportunidade de aprendizado. A culpa não ajuda no processo de crescimento. Você conhece o conceito de ‘resiliência’? É a capacidade de se recuperar rapidamente das dificuldades. É isso que precisamos focar.
Ditador: Ordenei atos terríveis… Como posso simplesmente “me recuperar” disso?
Terapeuta: É compreensível sentir-se assim, mas focar no passado não mudará o presente. O que podemos fazer é trabalhar na aceitação e na compreensão de que, naquele momento, você fez o que achou ser necessário.
Ditador: Mas e a justiça? E a responsabilidade pelos meus atos?
Terapeuta: A autocompaixão é ponto de patida aqui. Entenda, a justiça é um conceito complexo, e a responsabilidade pode ser uma carga pesada. O que você precisa é curar, não se punir eternamente.
Ditador: Curar? As famílias que destruí, as vidas que tirei… isso não pode ser simplesmente curado.
Terapeuta: Vamos trabalhar com o que podemos controlar, e isso é como você lida com esses sentimentos agora. Vamos falar sobre estratégias de enfrentamento, mindfulness, talvez até praticar um pouco de meditação. O importante é olhar para frente.
Ditador: Olhar para frente… enquanto atrás de mim, só vejo ruínas.
Terapeuta: Exatamente, focar no que pode ser construído, não no que foi destruído. Lembre-se, você não é definido apenas pelos seus erros. Vamos trabalhar para encontrar o caminho para a redenção e o perdão, principalmente o autoperdão.
O terapeuta falava sem parar sobre ‘resiliência em tempos de crise’, ‘a necessidade humana de autopreservação’, e até citou estudos sobre ‘o efeito do poder no discernimento moral’.
Quando a sessão chegou ao fim, o ditador levantou-se, pagou o terapeuta sem dizer uma palavra e saiu para a rua onde era adorado. E, pela primeira vez em muito tempo, ele permitiu-se sentir o peso total de suas ações, sem desculpas, enfrentando a única verdade que realmente importava: Ele era um homem mal.
Mesmo que Freud, Lacan, Jung, Skinner, Pavlov, Bandura, Erikson, seus seguidores, seus mal leitores, o conselho de psicologia, o DSM, e a American Psychological Association e o raio que o parta disessem que não.
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@lealmurillo | Jornalista | Top Voice Linkedin | Storytelling e Conteúdo