Você pode conquistar o mundo, mas não pode evitar que seja afetado por isso
Na era do culto a personalidade, é difícil encontrar alguém que não queira ter “15 minutinhos de fama” para tentar transformar toda exposição em cifras milionária e públicos gigantescos. É com essa lógica que muita gente se aventura a criar conteúdo.
Do outro lado, num mundo um pouco mais aleatório, existe gente que faz o caminho oposto. Aparece por aí sem qualquer pretensão, é impulsionado pela sua espontaneidade e quando vê estampa todos os lugares da mídia, ocupando um lugar que nunca imaginou estar. Os dois caminhos se diferem, mas acabam sempre no mesmo lugar.
Não arrisco dizer que ser reconhecido é algo completamente inútil. Todo mundo quer ser legitimado, atestado e autenticado na vida pessoal, profissional ou familiar. É fundamental saber que algo que você fez, deu certo. A questão aqui é outra.
Criminalizar reconhecimento é um hobby comum daqueles que não o possuem. Em um mundo extremamente midiático, o culto a modelos de negócios baseados em promoção da autoimagem é a ilusão mais desejadas de pessoas que buscam atalho para conforto na vida.
A ideia de que todo mundo pode faturar muito cuidando certo da sua imagem, oferece as pessoas um modelo de vida que desconsidera o custo da jornada cansativa na manutenção por se propor como um herói de um certo grupo. (ou: você não precisa ter tiktok pra ser bom)
Nessa altura, tenho certeza que não faltam pessoas palpitando sobre a escolha do influencer Luva de Pedreiro por encerrar as atividades nas suas redes sociais bem no momento do ápice da sua exposição. Então, resolvi mais que dar pitaco, mas compartilhar algo que eu fiquei pensando.
É evidente que muitos tentam reduzir o sentido da vida em sucesso, dinheiro e fama. Mas, já considerou o que vem com tudo isso?
Costumo pensar que precisamos responder, essencialmente, a três coisas: Quem sou eu? Quem somos nós? E o que é o mundo fora de mim? Encontrar certa conexão entre essas três questões pode nos ajudar a tentar se aproximar um pouco da razão pela qual fazemos o que fazemos.
Este não é um texto encorpado sobre filosofia. É simplesmente uma análise que pode nos ajudar a localizar em que lugar está a nossa motivação para realizar tudo que fazemos. E não só isso, é fundamental perguntar: O que vem com essa ideia de querer ser importante?
A questão de viver de imagem
A coisa funciona assim: por alguma razão — estratégica ou aleatória — alguém desponta dentro de um nicho de conteúdo. Bombam, mesmo sem métodos, muitas vezes sem estrutura, sem qualquer previsibilidade ou até mesmo acham uma explicação concreta para tal relevância.
Dali em diante, os novos “influenciadores” passam a analisar sua vida baseada em dados. Decidem qual comportamento pode receber mais atenção e aprovação e focam neles. Com o tempo, isso vai remodelando suas personalidades gradualmente e traz para eles a falsa impressão de que estão acertando a fórmula do sucesso.
Quando ainda está aproveitando o ápice, já é necessário aumentar mais o volume de conteúdo. Começa uma manutenção da visibilidade. Uma aleatoriedade se torna agora o sustento dele, do empresário e de todos que estão a volta.
Nesse ponto, eles mesmos acreditam que são o personagem que construíram. É difícil se desvincular das duas imagens.
Passam a acreditar que feedback online é uma espécie de validação que receberiam na vida real. Então, elas criam ainda mais maneiras de destacar suas caricaturas. Adotam uma postura marcante de branding pessoal. O espontâneo já se torna uma obrigação.
Exatamente assim, acabam se tornando reféns eternos do seu público. No entanto, não há fama, dinheiro e sucesso que blinde ninguém da voz rouca e descontrolada do povo. Não há como passar imune da mão julgadora das pessoas que acompanham aquele monte de narrativas bem montadas. Não demora muito para que todo aquele teatro comece a evidenciar a falta de sentido na pura exploração da autoimagem.
Privados da vida comum, começam a sentir o peso da renuncia involuntária da liberdade em nome de um sucesso repentino e do que vem com ele. O pulo do gato é que até mesmo a espetacularização das mazelas e dos perrengue encontraram um mercado próprio de consumidores.
Os influencers e suas assessorias se desdobram para tentar humanizar novamente o personagem criado depois de faturar milhões comercializar sua vida online. Fica claro aqui que o mercado é um monstro que aprendeu a canibalizar até mesmo quem finge que não se importa com a fama que tem.
É cada vez mais comum gente com números expressivos de público encontrando um jeito de faturar até mesmo com seus perrengues chiques, surfando na onda de assuntos e temas para tentar não se afastar muito da realidade das pessoas. A nova celebridade tem que aprender que postar foto no psiquiatra também pode ser bem lucrativo.
Em seguida, o que acontece recorrentemente é que, em dado momento, as pessoas que vivem o encanto de botequim das redes sociais sofrem do inevitável sequestro do seu público e ficam de mãos atadas perante um monte de gente que grita seu nome nas esquinas.
Ser relevante não é ser importante
Não dá para ser inocente e nem romantizar. Por mais que haja inúmeros privilégios em ganhar notoriedade, não existe nenhum engajamento que esteja imune a irresistível força do público no mundo da influência.
Eu não sei bem se todos percebem isso de maneira clara, mas são os influenciadores são profundamente impactados pelo vício inerente de não perder a tal relevância.
A maioria daqueles que sonham com este reconhecimento não calculam esse custo. Apenas tratam a vida como se aparecer a todo custo fosse apenas um atalho imediato para o conforto.
Essa manutenção da visibilidade adoece praticamente todos. Isso acontece porque ninguém pode construir um carisma infalível que abarque todas as expectativas de qualquer público sedento por idolatrar um ser humano impossível.
Você quer mesmo ser importante ou só quer ser famoso?
É por isso que muita gente alimenta na mente a ideia de que criar mais e mais conteúdo é uma simples decisão de negócio inevitável. Eles fingem que fazem isso tudo para entrar num mercado competitivo, mas se foram mesmo buscar a razão para tudo aquilo, podem encontrar uma motivação complementante ligada a sua vaidade.
O mais importante nessa hora é começar a perceber que estão sendo incentivados e motivados por atender a pessoas que cobram deles, muito mais do que podem oferecer.
Conforme os influenciadores criam rotinas vendáveis e expositivas, confundem o esforço abismal para alimentar as expectativa de um público ansioso pelo novo com a gestão de quem ele estava acostumado a ser antes disso tudo.
O ponto central aqui é o seguinte: não é difícil perceber a gradual substituição da identidade de uma pessoa quando ela começa a ter que entrar nesse jogo de construir uma imagem sob medida para agradar determinado público.
Se considerarmos que a nossa identidade é algo que vamos moldando conforme vamos vivendo e recebendo feedbacks das pessoas, dos resultados e das conclusões que vamos tomando, devemos considerar então o impacto dessa recompensa quando são baseadas em respostas de terceiros.
Nessa pegada, vamos colocando em segundo plano aquilo que somos para que a imagem construída não se desmorone num vacilo fatal para o desenho que construímos da nossa imagem.
O perigo de não perceber o que é claro
Nesse processo de se tornar importante para um nicho, o influenciador empresta os olhos do seu público para poder se sustentar naquela posição. Esse é o sequestro que não deveria acontecer. O custo de ser um influenciador é ter que andar na linha do personagem que eles construíram juntos com seu público.
Simplificando a ideia toda, precisamos parar de cair na certeza de que para ser alguém, precisaremos formatar a nossa realidade visível e formular nossas personalidades de uma forma manipulada. Temos que entender que ser referência de algo custa de nós começarmos a confundir quem somos com a personalidade do personagem criado. Não dá para fugir disso.
Essa busca pelo holofote cria uma forte tendência para que, na presença de mídia, possamos ter um olhar vigilante que evite qualquer prejuízo aos olhos de quem vê, criando uma espécie de avatar bem aceito na tentativa de atender as expectativas de todos que consomem aquele ser humano confundido com um produto.
A coisa mais desesperadora é que conforme vamos gradualmente ganhando audiência de pessoas que não conhecemos, vamos acreditando que fazemos um trabalho efetivo no mundo, mas às duas coisas podem não estar ligadas. É possível ser completamente famoso e não realizar nada palpável. A fama pela fama é uma ilusão abstrata de vida bem vivida.
O curioso disso tudo é que, depois que criamos uma imagem manipulado do que somos no mundo virtual, não podemos mais retornar ao jogo com regras novas, não podemos dar um passo atrás sem ser acusado de ser inautêntico.
Quando ser um influenciador é apenas ganhar dinheiro com uma imagem montada, arriscamos ser eternamente refém da estética, da manipulação, da falsa vida e teremos que obrigatoriamente esquecer que fomos ou quem gostaríamos de ser.
O menino abandonou a caricatura em detrimento da personalidade real. Mérito dele? Sei lá, mas foi mais corajoso que muita gente que conheço.
Quem abandonaria a persona criada aqui? Ainda bem que ele soube ler a realidade. Viveu o que tinha que viver, mas preferiu abdicar tudo antes de cair nesse engano de se tornar escravo do próprio sonho. Se é inteligente fazer isso? Talvez não, mas parece ser saudável.